
Porque nos é tão difícil dizer que não?
“Não.”
Três letras. Uma sílaba. Um corte limpo. E, no entanto, quantas vezes a deixamos presa na garganta?
Dizer “não” devia ser tão simples como respirar. Mas para muitos de nós é como atravessar um campo minado. Porque sabemos que, ao dizê-lo, arriscamos perder. Afeto, validação, pertença. O “não” vem com um preço. E nem toda a gente o consegue pagar.
A dificuldade em dizer “não” não é fraqueza. É sobrevivência.
Desde pequenos somos ensinados que dizer “não” é desrespeitoso. É feio. É egoísta. “Diz que sim à avó.” “Vai dar um beijinho ao tio.” “Não se responde assim a um adulto!” Crescemos a engolir os nossos limites, a suprimir o desconforto, a sorrir quando queremos fugir. A dizer “sim” para evitar confusão, mesmo quando o corpo grita “não”.
O problema? O corpo não esquece. Aguenta, acumula e, um dia, rebenta.
Aprendemos cedo que o amor é condicional. Que é preciso merecê-lo. Que quem agrada vive mais seguro. E assim nos tornamos bons meninos, boas alunas, bons colegas, bons parceiros. Bons em tudo… menos a sermos verdadeiros connosco próprios.
Dizer “não” é um acto de coragem num mundo que nos quer disponíveis, úteis e agradáveis.
Vivemos numa sociedade que valoriza a produtividade, a eficiência, a amabilidade. Gente que diz “sim” é promovida. É elogiada. É aceite. Gente que impõe limites é vista como difícil, ingrata, fria. E então cedemos. Aceitamos mais um pedido, mais um favor, mais uma reunião, mais um compromisso. “Claro, sem problema.” Mas há problema. Só que não dizemos.
Porque, no fundo, temos medo.
Medo de sermos rejeitados.
Medo de sermos mal interpretados.
Medo de magoar o outro.
Medo de parecer menos.
E esse medo instala-se como uma praga. Cresce connosco. E vai-se infiltrando em tudo. Até que já nem sabemos se dizemos “sim” porque queremos… ou porque não conseguimos dizer “não”.
E quando finalmente o dizemos, vem a culpa.
Dizer “não” pode libertar — mas primeiro dói. Porque fomos treinados para nos sentirmos mal por escolhermos a nós próprios. A culpa aparece como uma sombra: “Fui demasiado dura?” “E se ele achar que não gosto dele?” “E se nunca mais me pedirem nada?” “E se me excluírem?”
A culpa é o preço que pagamos por quebrar o molde. Por ousar ocupar espaço. Por interromper a lógica do agrado eterno. Mas há uma verdade que precisa de ser dita, sem rodeios: se não és tu a proteger os teus limites, ninguém o fará por ti.
O “não” é um acto de auto-preservação. Um limite que traça a fronteira entre quem tu és e o que esperam de ti.
Mas atenção: dizer “não” não é ser egoísta. É ser inteiro. É saber onde começas e onde acabas. É reconhecer o teu valor e recusar a diluição constante da tua energia em função dos outros.
Dizer “não” é, muitas vezes, dizer “sim” a ti mesma.
Sim ao teu tempo.
Sim ao teu corpo.
Sim à tua saúde mental.
Sim aos teus projectos.
Sim à tua paz.
Claro que nem sempre é fácil. Especialmente quando o “não” pode desiludir quem gostamos. Ou quando temos medo de perder oportunidades. Mas há um custo invisível de estar sempre disponível: o esgotamento. A raiva surda. A tristeza que não sabemos explicar. A sensação de estarmos a viver a vida dos outros, enquanto a nossa fica para depois.
Há formas de dizer “não” sem deixar de ser empático. Mas às vezes, mesmo com empatia, o outro vai ficar magoado. E está tudo bem.
Não somos responsáveis pelas reacções dos outros. Somos responsáveis pela nossa verdade. E se a tua verdade, naquele momento, é “não tenho espaço para isto”, então diz.
Diz com firmeza.
Diz com carinho, se quiseres.
Mas diz.
A tua saúde emocional agradece. A tua autenticidade agradece. O teu corpo agradece.
Porque há um momento em que já não consegues fingir mais. Em que o “sim” dito por obrigação se transforma em ressentimento. Em cansaço crónico. Em vazio.
E é aí que percebemos: o “não” que não dissemos a tempo foi um “não” a nós próprios.
Por isso, começa devagar. Treina. Ensina o teu corpo a não se encolher quando traças um limite. Começa com pequenos “nãos” — aos pedidos que sabes que não queres atender, às pressões silenciosas, às expectativas não ditas.
Vai ficar desconfortável? Vai.
Mas o desconforto de dizer “não” é momentâneo.
O de viver em permanente auto-abandono é crónico.
Se te revês nisto, talvez esteja na altura de explorares o que te impede de dizer “não”. Na terapia. Na escrita. Na tua vida. Porque o “não” é, muitas vezes, o primeiro passo para te voltares a escutar.
E tu mereces ser escutada.
Sobretudo por ti.
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