
Sete Sapatos Sujos Que Te Estão a Impedir de Caminhar
Há ideias que não são só ideias.
São pesos. São lama. São sapatos sujos que carregamos sem dar conta.
Vamos com eles à escola.
Entramos com eles nas relações.
Trabalhamos com eles calçados.
Dormimos com eles aos pés.
Não estranha então que a vida custe a andar.
Que doa.
Que estagne.
Mia Couto, num dos seus sopros de lucidez poética, falou destes sapatos sujos.
Sete.
Sete ideias feitas.
Sete formas de pensar que não libertam — prendem.
Que não sustentam — sabotam.
Hoje, neste texto, proponho-te isto:
descalçar.
um por um.
com coragem.
com alma.
1. O Sapato da Culpa Sempre no Outro
É mais fácil. Mais cómodo. Mais rápido.
Culpamos o sistema, o chefe, a mãe, o tempo, o governo.
Mas cada vez que apontamos o dedo, desviamos a mão que podia construir.
Culpar é uma forma de abdicar da própria potência.
Enquanto o mal for sempre lá fora, a mudança também será.
E tu?
Ficas parado.
Responsabilizar-se não é autoflagelo.
É dizer: posso não ter causado tudo, mas posso escolher como caminho a partir daqui.
2. O Sapato da Ilusão Sem Trabalho
Há quem queira o sucesso embalado em curso rápido, mantra mágico ou rede de contactos.
Esquece-se do corpo. Do esforço. Do tempo.
O sucesso não é sorte.
É consistência.
É erro.
É recusa em desistir no terceiro tropeço.
Descalça este sapato.
Trabalha com verdade.
Semeia onde ninguém vê.
E um dia, a colheita vem. Não por milagre — mas por mérito.
3. O Sapato do Medo de Ser Confrontado
Quem te critica nem sempre te quer derrubar.
Às vezes quer só abrir-te os olhos.
Mas se ouves cada crítica como um ataque pessoal, vais viver a defender a tua dor — em vez de curá-la.
Aceitar crítica é um acto de maturidade.
É saber que se pode ser inteiro… e ainda assim, falível.
É ter humildade para crescer.
E coragem para ouvir o que ainda não se quer ver.
4. O Sapato da Palavra Sem Corpo
Mudar palavras não muda realidades.
Chamar de “desafios” aos problemas não os resolve.
Dizer “gratidão” não cura uma ferida aberta.
Recitar afirmações ao espelho não basta se o coração estiver ausente.
Há quem pinte o caos com frases feitas.
Mas a linguagem sem acção é só maquilhagem em corpo doente.
Descalça o discurso vazio.
Usa a palavra como ponte, não como parede.
Fala com verdade. Age com coerência.
5. O Sapato da Vergonha de Ser Pobre
Este sapato é pesado.
Vem de longe.
Da humilhação. Do estigma. Da comparação constante.
E alimenta o culto das aparências.
Das roupas de marca com cartão a crédito.
Do sorriso ensaiado em férias que não podias pagar.
Da vida mostrada — mas não vivida.
A pobreza não é defeito.
A vergonha, sim.
Porque essa é aprendida.
E pode ser desaprendida.
Liberta-te da necessidade de parecer.
E começa, finalmente, a ser.
6. O Sapato da Passividade Diante da Injustiça
Não te metes.
Não é contigo.
Não vale a pena.
Mas cada vez que ficas calado diante da violência, perpetuas o seu eco.
Cada vez que ignoras o abuso, és cúmplice.
Cada vez que assobias para o lado, alguém mais frágil paga a conta.
Descalça o medo que te silencia.
A tua voz pode não mudar o mundo inteiro.
Mas pode proteger alguém.
E isso basta.
7. O Sapato da Imitação como Prova de Modernidade
Queremos tanto ser aceites que esquecemos quem somos.
Copiamos discursos. Estéticas. Ambições. Estilos de vida.
Mas o moderno não é o que imita.
É o que ousa ser.
A tua verdade nunca será tendência.
Mas será tua.
E isso vale mais do que todos os filtros.
Ser moderno não é parecer.
É habitar o agora com inteireza.
Então, qual é o teu sapato?
Todos temos um. Ou vários.
Carregamo-los nos pés, no pensamento, na pele.
Mas todos podemos escolher descalçá-los.
Devagar.
Com dor, talvez.
Mas com verdade.
E, ao fazê-lo, recomeçamos.
De pés limpos.
De alma livre.
De caminho em frente.
Se já estás cansado de caminhar com dor — marca comigo.
A psicoterapia pode ser o lugar onde finalmente te descalças.
Sem julgamento.
Com presença.
Com apoio.
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