
Quando o Corpo Grita e Ninguém Escuta – A falsa normalidade dos 40 e o silêncio institucional sobre o sofrimento feminino
“É normal para a sua idade.”
Foi assim que começou. Ou antes, foi assim que te fizeram calar.
Diziam que o corpo muda, que a ansiedade aumenta, que o sono piora.
E que devias aceitar tudo isso como parte do pacote invisível da meia-idade feminina.
Como se o desconforto, a exaustão, o inchaço, a tristeza ou o aumento de peso fossem um destino — e não um alerta.
Mas não é normal.
É apenas frequente.
E há uma diferença brutal entre o que se repete e o que devia ser aceite.
A patologização silenciosa da mulher funcional
Na psicologia clínica, há um fenómeno pouco falado: a mulher hiperfuncional que colapsa em silêncio.
Ela trabalha, gere equipas, educa filhos, alimenta relações, faz ginástica emocional entre tarefas.
Mas por dentro, há desregulação.
Hormonal. Psíquica. Digestiva.
E como não há tempo para parar, também não há tempo para escutar.
Os sintomas tornam-se rotina. A negação torna-se estratégia de sobrevivência.
Até ao dia em que o corpo deixa de pedir… e começa a gritar.
O corpo fala a linguagem da psique
A psicossomática já provou: o corpo é um campo de tradução.
Aquilo que a psique não processa, o corpo carrega.
Peso. Insónia. Ansiedade. Fome emocional. Irritabilidade.
Tudo isto são expressões — não defeitos.
Quando o corpo muda sem explicação aparente, talvez o que mudou tenha sido a tua capacidade de suportar o insuportável.
A medicina que não quer saber (e a psicologia que precisa de intervir)
Muitas mulheres relatam o mesmo enredo:
– fazem exames, tudo parece “normal”
– ouvem conselhos vazios: “reduza o stress”, “durma melhor”, “coma menos”
– e saem do consultório mais confusas do que entraram
Este ciclo gera dissonância cognitiva: o sofrimento é real, mas os dados não o validam.
O corpo está em luta, mas ninguém confirma a guerra.
Resultado?
Culpa. Vergonha. Isolamento.
A psicologia tem o dever ético de intervir onde a medicina falha: ouvir, contextualizar, devolver significado ao sintoma.
A fome não é só de comida — é de sentido
Quando o corpo pede açúcar, talvez esteja à procura de doçura emocional.
Quando não consegues parar de comer, talvez seja porque nunca te deixaram parar.
Quando te sentes culpada por não ter energia, talvez seja porque vives a ceder toda a tua energia aos outros.
A compulsão alimentar, o aumento de peso, a insónia e a fadiga não são falhas pessoais.
São mecanismos de defesa. Estratégias de coping. Respostas adaptativas a uma realidade disfuncional.
A cultura da superação e o esgotamento feminino
Vivemos numa sociedade que valoriza a superação — mas só até ao limite da conveniência.
Mulheres que mostram força são admiradas.
Mulheres que reclamam espaço para si são criticadas.
E por isso, muitas entram na roda do “vou tentar outra vez”:
– a dieta nova
– o plano de treino
– os suplementos milagrosos
– os vídeos no YouTube
– o jejum, o veganismo, o cardio, o HIIT
Até que percebem — se tiverem sorte — que o problema não está no corpo.
Está no que o corpo carrega por dentro.
O reencontro possível com um corpo não domesticado
A psicologia integrativa propõe uma reconfiguração:
– Do corpo como aliado, não inimigo
– Da alimentação como escuta, não punição
– Do sono como direito, não luxo
– Da energia como recurso finito, não prova de valor
Recuperar o vínculo com o corpo é um processo terapêutico profundo.
É sair da lógica da performance para entrar na lógica da presença.
É deixar de ver o espelho como juiz, e passar a vê-lo como reflexo do que ainda precisa de cuidado.
Não estás a falhar. Estás a despertar.
Não é preguiça. Não é gula. Não é fraqueza.
É só o teu corpo a dizer que não aguenta mais ser ignorado.
E talvez estejas a chegar, finalmente, ao lugar onde já não dá para seguir como antes.
Nem com mais dieta, nem com mais esforço, nem com mais obediência.
A boa notícia?
Esse lugar não é o fim.
É o início da escuta.
Deixe um comentário