Anabela Reis

Quando o Corpo Grita e Ninguém Escuta – A falsa normalidade dos 40 e o silêncio institucional sobre o sofrimento feminino

“É normal para a sua idade.”

Foi assim que começou. Ou antes, foi assim que te fizeram calar.

Diziam que o corpo muda, que a ansiedade aumenta, que o sono piora.

E que devias aceitar tudo isso como parte do pacote invisível da meia-idade feminina.

Como se o desconforto, a exaustão, o inchaço, a tristeza ou o aumento de peso fossem um destino — e não um alerta.

Mas não é normal.

É apenas frequente.

E há uma diferença brutal entre o que se repete e o que devia ser aceite.


A patologização silenciosa da mulher funcional

Na psicologia clínica, há um fenómeno pouco falado: a mulher hiperfuncional que colapsa em silêncio.

Ela trabalha, gere equipas, educa filhos, alimenta relações, faz ginástica emocional entre tarefas.

Mas por dentro, há desregulação.

Hormonal. Psíquica. Digestiva.

E como não há tempo para parar, também não há tempo para escutar.

Os sintomas tornam-se rotina. A negação torna-se estratégia de sobrevivência.

Até ao dia em que o corpo deixa de pedir… e começa a gritar.


O corpo fala a linguagem da psique

A psicossomática já provou: o corpo é um campo de tradução.

Aquilo que a psique não processa, o corpo carrega.

Peso. Insónia. Ansiedade. Fome emocional. Irritabilidade.

Tudo isto são expressões — não defeitos.

Quando o corpo muda sem explicação aparente, talvez o que mudou tenha sido a tua capacidade de suportar o insuportável.


A medicina que não quer saber (e a psicologia que precisa de intervir)

Muitas mulheres relatam o mesmo enredo:

– fazem exames, tudo parece “normal”

– ouvem conselhos vazios: “reduza o stress”, “durma melhor”, “coma menos”

– e saem do consultório mais confusas do que entraram

Este ciclo gera dissonância cognitiva: o sofrimento é real, mas os dados não o validam.

O corpo está em luta, mas ninguém confirma a guerra.

Resultado?

Culpa. Vergonha. Isolamento.

A psicologia tem o dever ético de intervir onde a medicina falha: ouvir, contextualizar, devolver significado ao sintoma.


A fome não é só de comida — é de sentido

Quando o corpo pede açúcar, talvez esteja à procura de doçura emocional.

Quando não consegues parar de comer, talvez seja porque nunca te deixaram parar.

Quando te sentes culpada por não ter energia, talvez seja porque vives a ceder toda a tua energia aos outros.

A compulsão alimentar, o aumento de peso, a insónia e a fadiga não são falhas pessoais.

São mecanismos de defesa. Estratégias de coping. Respostas adaptativas a uma realidade disfuncional.


A cultura da superação e o esgotamento feminino

Vivemos numa sociedade que valoriza a superação — mas só até ao limite da conveniência.

Mulheres que mostram força são admiradas.

Mulheres que reclamam espaço para si são criticadas.

E por isso, muitas entram na roda do “vou tentar outra vez”:

– a dieta nova

– o plano de treino

– os suplementos milagrosos

– os vídeos no YouTube

– o jejum, o veganismo, o cardio, o HIIT

Até que percebem — se tiverem sorte — que o problema não está no corpo.

Está no que o corpo carrega por dentro.


O reencontro possível com um corpo não domesticado

A psicologia integrativa propõe uma reconfiguração:

– Do corpo como aliado, não inimigo

– Da alimentação como escuta, não punição

– Do sono como direito, não luxo

– Da energia como recurso finito, não prova de valor

Recuperar o vínculo com o corpo é um processo terapêutico profundo.

É sair da lógica da performance para entrar na lógica da presença.

É deixar de ver o espelho como juiz, e passar a vê-lo como reflexo do que ainda precisa de cuidado.


Não estás a falhar. Estás a despertar.

Não é preguiça. Não é gula. Não é fraqueza.

É só o teu corpo a dizer que não aguenta mais ser ignorado.

E talvez estejas a chegar, finalmente, ao lugar onde já não dá para seguir como antes.

Nem com mais dieta, nem com mais esforço, nem com mais obediência.

A boa notícia?

Esse lugar não é o fim.

É o início da escuta.

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